O Brasil tem uma bandeira, um presidente, um brasão, um hino e... 41 moedas em circulação. Além do real, os moradores de São João do Arraial, Piauí, podem fazer compras e receber parte do salário em notas de cocal. Em Alcântara, Maranhão, é possível usar o guará. Em Cariacica, Espírito Santo, o comércio aceita o girassol. Em Dourados, Mato Grosso do Sul, dá para fazer pequenos negócios com o pirapirê. Cocal, guará, girassol e pirapirê são algumas das moedas emitidas pelos 40 bancos comunitários do país. Cada uma delas circula em um município pequeno, de até 50 mil habitantes, ou em um bairro afastado e pobre. Essas notas só são válidas na região de atuação de cada banco comunitário. A cotação oficial é idêntica à da moeda nacional: 1 guará vale R$ 1.
A Rede de Bancos Comunitários, uma espécie de Febraban dessas mini-instituições, calcula que estejam circulando o equivalente a R$ 80 mil em moedas alternativas, em oito Estados brasileiros, uma quantidade ainda pequena. Mas, de acordo com o governo federal, a circulação dessas moedas deverá quadruplicar até 2010. Pelos planos oficiais, elas estarão presentes em todos os Estados.
Na teoria, as moedas paralelas servem para fortalecer a economia da área onde circulam. Como elas só podem ser usadas no próprio bairro, ajudam a movimentar o comércio e a gerar empregos nos locais onde são usadas. Há outra vantagem: os comerciantes dão descontos de 2% a 10% no preço das mercadorias para quem usa o dinheiro alternativo. Para o comerciante, é um meio de evitar que o cliente troque a moeda diferenciada por real e gaste em outras regiões.
Outro benefício é que, em moedas alternativas, os bancos comunitários fazem empréstimos de até R$ 800 sem juros. Para obtê-lo, basta ser morador do local, apresentar um plano para aplicação dos recursos e ter o aval da vizinhança: moradores são chamados a dizer se o tomador costuma ter conduta honesta. Não há consulta ao Serviço de Proteção do Crédito (SPC). Mesmo assim, segundo as instituições, a taxa de inadimplência em bancos comunitários, que também fazem empréstimos em real, não passa de 2%. No mercado financeiro convencional, ela é quatro vezes maior, de 8,1%.
A ideia de criar moedas alternativas surgiu há nove anos entre os moradores da Favela Conjunto Palmeiras, em Fortaleza. Foi quando eles perceberam que o microcrédito oferecido pelo banco comunitário local, criado dois anos antes, não era suficiente para fortalecer a economia da favela. Na época, seus 20 mil habitantes consumiam R$ 2,4 milhões por mês, em valores atualizados, segundo uma pesquisa feita pela associação de moradores. Mas quase tudo era gasto em lojas do centro da cidade. “A gente reproduzia o sistema colonial: a periferia mandava para o centro as riquezas em troca de alimentos e de produtos não duráveis”, diz Joaquim de Melo Neto, fundador e gerente do Banco Palmas. A moeda própria, palmas, foi criada para resolver esse problema.
De acordo com o administrador Jeová Torres, professor da Universidade Federal do Ceará, a moeda e o Banco Palmas turbinaram o PIB da favela. “Quando as pessoas recebem o palmas, gastam no próprio bairro. O dinheiro fica ali por mais tempo do que se as pessoas recebessem em real”, diz. Em 2008, Torres fez uma pesquisa sobre o impacto do banco na comunidade. Segundo o estudo, 25% das pessoas afirmam que sua renda aumentou, e 20% dizem ter conseguido trabalho depois da criação do banco. Um exemplo é o cabeleireiro Nazareno Constantino, que modernizou seu salão depois de obter empréstimo do Banco Palmas. “Eu não tinha negócio formal antes porque não conseguia empréstimo em lugar nenhum”, diz.
O governo Lula tenta há seis anos reproduzir a experiência em outras áreas. “Ajudamos mais de 30 bancos e vamos criar outros 150 com moedas próprias até 2010”, diz o economista Paul Singer, da Secretaria Nacional de Economia Solidária, subordinada ao Ministério do Trabalho. Uma das iniciativas estimuladas pelo governo é do Banco Paju, em Maracanaú, Ceará. Lá, as notas de maracanãs começam a ganhar força. Estima-se que 3.300 pessoas já usem a moeda. “Dou 10% de desconto para quem usa maracanã. Recebo 300 maracanãs por mês”, diz Francisco Aguiar, dono de um mercado na região.
Outro entusiasta da ideia é o Banco do Brasil. “Desde 2005, emprestamos R$ 3,4 milhões aos bancos comunitários”, diz Robson Rocha, diretor de Menor Renda do BB. “É um investimento seguro. O banco comunitário sabe melhor que qualquer agência para quem deve emprestar. Os funcionários moram no lugar e conhecem a comunidade.” Apesar da crise, a procura por empréstimos comunitários cresceu 8% desde setembro, segundo os próprios bancos. Eles têm hoje em caixa R$ 1,5 milhão para empréstimos.
A experiência brasileira não é única. Há moedas sociais mesmo entre países desenvolvidos, como Canadá e Estados Unidos. E os brasileiros já fazem escola. Em 2006, a Venezuela enviou seu ministro de Economia Solidária para conhecer o Banco Palmas. “Baseados em nossa ideia, os venezuelanos criaram 3.600 bancos comunitários e 300 moedas”, diz Singer. No ano passado, o economista Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz pela mais bem-sucedida experiência do mundo de microcrédito (o Banco Grameen, de Bangladesh), mostrou entusiasmo com a iniciativa depois de uma reunião em Brasília com Melo Neto, do Banco Palmas.
Apesar do entusiasmo do Ministério do Trabalho, do Banco do Brasil e de Yunus, os bancos comunitários não são consenso no governo. “Estamos estudando quais serão os efeitos desses bancos para a economia nacional e como regulamentá-los”, diz Marusa Vasconcelos, subprocuradora-geral do Banco Central. A Caixa Econômica Federal e o Ministério da Fazenda também são reticentes em relação à experiência. Apesar de acompanhadas pelo Ministério do Trabalho, as emissões das moedas não são controladas por nenhum órgão oficial.
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Fonte: Revista Época
publicado no blog nacional do Projeto Brasil Local
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